O jornalista Dirk Lopes com Maria Simão, a Mariazinha, uma das últimas sobreviventes da Guerra do Contestado, e o filho dela, Capitulino. O registro foi feito em Santa Cecília, Santa Catarina em 13/01/2020, pelo produtor. (Foto: Gentileza)
Tive o prazer de trabalhar com grandes profissionais, com quem aprendi muito. E muitos deles são amigos de sempre. Hoje, ao ler esta matéria no BlogBoraPensar!, do jornalista Sérgio Pieczarka, perguntei se poderia compartilhar. Afinal, produzir um material tão rico sobre a nossa história, só poderia ser obra de um dos grandes produtores com quem eu tive a honra de trabalhar.
O webdocumentário “Órfãos do Contestado” tem 22 minutos e meio. Foi produzido com recursos próprios e gravado com Iphone e microfones de lapela Boya, câmera Gopro e um estabilizador de câmera. Na entrevista ao BlogBoraPensar!, o jornalista Dirk Lopes, autor do audiovisual, falou sobre os bastidores da produção e das gravações.
Segue um resumo do material apresentado pelo BlogBoraPensar.com.br:
O webdocumentário “Órfãos do Contestado” revela a história sangrenta e cruel da Guerra do Contestado, entre 1912 e 1916, numa extensa região de Santa Catarina até a divisa com o Paraná. Nele são apresentadas as razões econômicas, políticas, sociais, religiosas e a luta pela terra na grande região conflagrada.
“Foram 15 anos de pesquisas e leitura de dezenas de livros. A produção foi realizada em dezembro de 2019, com alguns contatos prévios, gravações em janeiro, roteiro de fevereiro a julho, edição em agosto e publicação em setembro de 2020.
Foram percorridos 1.400 km de estrada a partir de Curitiba, num roteiro que incluiu União da Vitória e General Carneiro (PR), Porto União, Irani, Água Doce, Salto Veloso, Caçador, Lebon Régis, Santa Cecília, Timbó Grande e Papanduva (SC) com gravações em igrejas, locais de acampamentos, sítios arqueológicos e redutos dos caboclos seguidores do Monge José Maria, chamados “quadro santos”, que foram palcos de batalhas com milhares de mortos e museus históricos que preservam armas, munição e documentos da Guerra do Contestado e da Ferrovia São Paulo-Rio Grande. E depois outra viagem ao Rio de Janeiro para gravações no Palácio do Catete, Forte de Copacabana e no Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da FGV – Fundação Getúlio Vargas. Na volta à Curitiba, gravações na Biblioteca Pública do Paraná e Museu da Estação Ferroviária.
As gravações no interior do Paraná e Santa Catarina foram realizadas entre 6 e 13 de janeiro de 2020. No Rio de Janeiro entre 15 e 21 de janeiro de 2020 e em Curitiba entre 23 e 30 de janeiro de 2020, contou Dirk.
Na fase de gravações, passei quatro horas numa estradinha de chão em General Carneiro procurando pessoas com mais idade que poderiam saber de relatos da queda do avião de Ricardo Kirk por seus pais ou avós. Encontrei o aposentado Pedro Maguelniski Sobrinho, de 92 anos, às 18h00 e ele já estava dormindo. Os familiares o acordaram e ele veio bem falante.Para localizar a Maria Simão, a “Mariazinha”, tive a ajuda do professor Nilson Fraga, geógrafo da UEL, que morou 10 anos na região do Contestado e pesquisa o tema há 20 anos.Em Caçador, o diretor do Museu do Contestado, Julio Corrente, passou o contato de uma ex-estagiária, a historiadora Flávia Raphaela, que hoje mora em Curitiba. Ela me deu o contato da irmã, Rhubia, que mora em Santa Cecília.Resolvi me hospedar na cidade, sem saber se encontraria Mariazinha. Rhubia enviou a localização de Mariazinha às 7h10 da manhã, quando eu tomava café no hotel. Saí correndo para o local antes que expirasse a localização do “Google Maps”. Entrei numa rua procurando pela senhora idosa do cajado que mora com o filho que anda de bicicleta. Daí soube que era na rua dos fundos, fui até um armazém, quando disseram que ela morava numa casa de fundos de outra casa. Chegando lá às 8h00, a vizinha me levou até Mariazinha, que não ouve muito bem. Até que ela disse que “não daria entrevista”.Falei que rodei 300 km para encontrá-la. Ela abriu um sorriso e disse pra esperar a volta do filho, o que demorou uma hora e meia. Conversou muito e quando o filho chegou, foi uma entrevista emocionante. Fiquei 3 horas na casa dela.Em um mês de gravações, foram 860 clipes no Iphone mais 40 clipes na câmera Gopro rodando em estradas. O roteiro foi escrito, impresso e reescrito pelo menos seis vezes antes de ser gravado. A edição durou três semanas, de segunda a sexta-feira, com a editora de imagens Steffani Daudt e o autor sempre junto na ilha de edição. São muitos detalhes de áudio, vinheta, GC’s, trilha sonora, ficha técnica, e a cada revisão, havia algo a ser cortado ou alterado. Não há como fazer isso em um único dia. É mais um longo processo de paciência.Expedi 30 documentos para autorização do uso de imagem, entrevistas, fotos e músicas. Alguns demoraram sete meses para chegar. Apenas para usar um vídeo da música “Chica Pelega” com dança de facão, pedi autorização escrita para o cantor gaúcho Elton Saldanha, para a coreógrafa Rosângela Matte da Silva Kojinski, de Timbó Grande, para o jornalista Arthur Peixer, que fez as imagens e para Vicente Heleodoro de Paula Telles, filho do autor da música, Vicente Telles, já falecido.
Por décadas a Guerra do Contestado foi esquecida pela história oficial e, durante o Regime Militar de 1964 a 1985, era contada nas escolas públicas em não mais que meia página de uma apostila. A razão apontada era o conflito na definição da divisa dos estados do Paraná e Santa Catarina, fato que realmente acontecia em paralelo na região “contestada” pelos dois estados, mas não foi o motivo da conflagração.O objetivo geral é revelar aos estudantes de nossos estados vizinhos a violência da Guerra de brasileiros contra brasileiros, a opressão do Estado e os motivos da conflagração. Um barril de pólvora que deixou de 8 a 10 mil mortos e foi o maior conflito do Brasil no Século XX.O objetivo específico foi gravar depoimentos com historiadores, escritores, pesquisadores, produtores culturais, associações, diretores de museus, sobreviventes, filhos e netos de ex-combatentes e testemunhas de fatos históricos para demonstrar como são maltratadas as questões agrária, religiosa, política, social e econômica, mazelas que o Brasil enfrentou e enfrenta até hoje.A motivação foi um resgate às raízes. Nasci em Xaxim, oeste de Santa Catarina, numa região que fez parte do território “Contestado” pelos estados do Paraná e Santa Catarina no STF e que pertencia ao Paraná durante a conflagração. As divisas atuais dos estados foram acordadas após o conflito, em 20/10/1916 no Palácio do Catete no Rio de Janeiro.